Numa Tasca por aí, o Ventor entrou para beber uns copos ou de água ou de leite ou ... não sei! Se calhar foi mais um Ice Tea!
Encostou a barriga ao balcão e logo apareceu um amigo de boné ao lado, cigarro no canto da boca e copo de tintol na mão.
"Boa tarde , a Vexa" - disse esse amigo, dirigindo-se ao Ventor.
«Olá, boa tarde» - respondeu-lhe o Ventor.
"Sabe amigo ... " - diz o homem, e faz uma pausa para levar o copo à boca, beber um trago e, dirigindo-se para o Ventor - "estamos aqui de volta de jornais de hoje e outros antigos conversando sobre duas teorias que têm a ver com a nossa gente".
«Ah, sim! Então quais são» - perguntou-lhe o Ventor.
Então o homem prossegue uma narração tentando despertar a curiosidade do Ventor.
"Portugal é um país de sonhadores! Mas o maior sonho desta gente é sempre uma incógnita.
Imaginemo-nos, políticos. Sentamo-nos em volta de uma mesa, num café, numa leitaria (ainda há disso?), num restaurante, numa tasca (como esta) ... enfim, uma mesa que poderá ser redonda, quadrada, oval ... e começamos a divagar uns com os outros. Meia dúzia de amigos primeiro e, quem sabe, um comício mais tarde?
Eu sei que todos sonhamos com uma nação desenvolvida, com comer que chegue para todos, mesmo que seja numa gamela, mas que chegue! Onde haja camas para todos, onde todos se divirtam, onde não haja doentes, onde só haja reformados e, quem sabe (?) ... só políticos muito bons!
Então, todos vamos falar em nome do social, do desenvolvimento, do progresso, do politicamente correcto. Todos sabemos quem queremos para ministros dos nossos governos de sonho e sabemos que todos vão querer ser nossos ministros porque, ser-se mimistro, é porreiro para ganhar fama, mesmo que o ordenado não preste, pois comparado com os ordenados dos senhores Directores Gerais do funcionalismo público, reis de empresas a valer e de outras chafaricas privadas, ... mas enfim, é ser ministro"!
«Pois, mas» ... o Ventor tenta interferir, mas ele não deixa!
"Estamos no sonho! Sonhamos que vamos empolgar tudo isto. Vamos fazer crescer as escolas e aumentar os anos de estudo; vamos fazer doutores e engenheiros (ao menos se houver desemprego, serão capazes de se amanhar. Não é por acaso que serão doutores e engenheiros!); vamos fazer descer o desemprego e, para isso, faremos com que as multinacionais invistam e façam progressos cá dentro, não é por acaso que somos amigos dos nossos amigos; vamos melhorar os serviços de saúde pública, aumentar os postos de atendimento, construir hospitais, fazer médicos e enfermeiros enfim, vamos ter saúde para todos, vamos lutar contra os incêndios, vamos aumentar as reformas, subsidiar os pobres, oferecendo-lhe um rendimento mínimo garantido, baixar os impostos, acabar com a pobreza e, blá, blá, blá" ...
" Era o sonho amigo! Era a pátria dos sonhadores, das promessas, dos capacitados, dos competentes, dos doutores e dos engenheiros".
Parece que vai tentar outra pausa, mas prossegue, logo de seguida, após sorver mais um trago.
"Mas logo por azar o sonho diluiu-se na correnteza do dia a dia e apenas nos dizem isto":
"Afinal, eles não prestavam! Não fizeram nada daquilo que nos prometeram. Entretiveram-se e entretiveram-nos todos os dias, uns após outros.
Afinal não podemos! Os outros gajos estragaram tudo! Eram uns aldrabões e mentiram-nos tão bem que nós nem tivemos tempo para levantar a cabeça da secretária. Foi só fazer contas, contas e mais contas e concluimos que tudo isto estava bem pior do que nós pensávamos!
Imaginem só que o déficit ... é um descalabro"!
"Ora aí está! Pois é" ...
"E agora? Agora é um ludíbrio!
Agora? Agora os homens continuam a ser bons, porque não?
Ora vejam só estes!
Nos últimos anos houveram incêndios até demais. Mas o ministro da agricultura e outros sequazes ligados à natureza, aos parques, aos bombeiros, à protecção civil, à imprensa, foram ao Mezio, esclarecer sua Excelência o Senhor Presidente da República que também lá se deslocou e convencer, sobretudo, os portugueses de que o ano de 2006, em matéria de incêndios, foi óptimo! Nada comparável aos anos anteriores mais próximos. Apenas ardeu uma miséria! Este ano, todos fomos muito bons porque os incêndios foram decapitados, à nascença, pela intervenção atempada de todos os intervenientes. A maquinaria colocada ao serviço do Maralhal anti-incêndio, funcionou às mil maravilhas e essa luta foi devidamente coordenada pelos responsáveis deste país".
"E esta!
Ainda ontem, para mais reforço do que havia ficado dito sobre o pouco terreno queimado, o ministro da Administração Interna e não sei que mais veio a terreno para elogiar o trabalho da sua pule. Terá dito para ele próprio: "rapaziada, este ano ardeu muito menos"!
Aqui interveio o Ventor:
«Ele não sabe porque ninguém lhe explica (ministro não sabe tudo ou não quer), que os incêndios anteriores serviram de corta-fogo a incêndios de 2006. Não ardeu mais porque não havia para arder. O maior exemplo da ineficácia e de fracasso dos meios envolvidos, foi o facto de deixarem arder na serra de Soajo, tudo aquilo que ardeu. Não ardeu mais porque haviam corta-fogos provocados por pequenos incêndios anteriores e aí, o braseiro extinguia-se por si. Mesmo assim permitiram que ardessem muitos dias seguidos as minhas Montanhas Lindas».
O Ventor falou-lhes a todos sobre a sua caminhada pela serra de Soajo dias após o incêndio, e contou-lhes como estava ao entrar para a banheira, em Arcos de Valdevez, em que nem ele imaginava como aquilo tinha sido possível, chamando a minha dona para se certificar não fosse ele estar a sonhar. O Ventor tinha a cara, o pescoço, os braços, o local das cuecas e das meias, na sua cor natural mas suja de cinzas. O resto do corpo era todo negro como um carvão. A camisola e as calças de ganga deixaram entrar as cinzas todas, apenas as cuecas e as meias as filtraram.
Eles riram-se imaginando a situação do Ventor e, o tal amigo prosseguiu com a sua teoria:
"Oh, meu amigo, é lindo ver esta malta a trabalhar, ah! ... olhe mais esta":
"O ministro da Saúde retira direitos e, para isso, fecha maternidades, aumenta as taxas moderadoras do maralhal com dores de cabeça, adia hospitais projectados, rapa aos miseráveis tanto como àqueles que mais têm desculpando-se que tem de tocar a todos. É para todos, pobres ou ricos! Depois tem o descaramento de informar que a sua coutada vai dar lucros já este ano! Vinte milhões, mais ou menos e ainda vocês não viram nada porque, se a caminhada continuar com a pedalada que o Ventor fez lá pela Pedrada, então sim, verão que a sua coutada ainda vai acabar pro ficar rica. Muito rica"!
"E sem ter necessidade de falar de mais nada, o Filósofo, o puro, o mais quebrar que torcer, vem-nos dizer que, afinal, vamos ter de continuar a fazer sacrifícios porque temos a obrigação de fazer o ajustamento do déficit! Temos compromissos"!
"Até aí tudo bem, eu ainda entendo. Vamos apertar o cinto, vamos continuar a chupar o sangue da manada, vamos ajustar as contas às nossas capacidades miseráveis de país que quer ser rico. Vamos" ...
"Alto aí! Não vamos nada! Para já eu vou beber mais um copo e depois quero que um de vocês me diga, já que o Sr. Filósofo não o faz, porque razão nós os desgraçados transmontanos, beirões, alentejanos, minhotos e outros, temos de pagar essa porcaria toda e ainda pagar as Scuts dos gajos das Berlengas? Alguém sabe"?
Muito mais o homem teria para dizer, mas o Ventor estava com pressa como sempre e despediu-se daqueles homens a quem tudo tiram, deixando-lhes apenas a liberdade de realizarem o seu tempo da melhor maneira que sabem e podem. Eles sabem e o Ventor compreende-os bem, que a sua (a nossa) vida, afinal, não passa de um ludíbrio permanente forjado todos os dias pela classe política portuguesa.