O Muranho e os Lobos
Alguns dos nossos amigos, meus e do Ventor, sabem que eu estou muito doente. Perdi a vontade de comer e tenho muitas dificuldades em respirar. Ando nos Vet's.
Uma noite destas apeteceu-me ir deitar-me junto do Ventor e da minha dona e estendi-me à cabeceira entre os dois.
E, verifiquei, que o Ventor voltou a sonhar!
O Ventor fez-me muitas festas na cabeça e, algum tempo depois, adormeceu. E deixem que vos diga, não tardou muito que o corpo dele nunca mais parava. Eu percebi a aflição dele mas não podia acordá-lo. Só se fosse à dentada ou à unhada e isso não podia ser porque o Ventor não merece nada disso. Alguns dias atrás ele já tinha tido o mesmo sonho mas não deu para acabar pois acordou aflito. Ele contou-mo, mas não lhe dei importância!
Então não é que, dias depois, voltou a reiniciar o mesmo sonho!
O Ventor contou-me o que sonhou. No primeiro, foi só a parte do pesadelo e não liguei, no segundo, foi o pesadelo e a parte maravilhosa de ter lobos como amigos. Foi um sonho perfeito!
Pois foi assim.
O Ventor voltou ao Muranho já duas vezes e das duas vezes, em sonhos. Duas vezes depois de lá ter estado na realidade, em 9 de Agosto, com os seus amigos.
Apeteceu-lhe voltar às suas Montanhas Lindas chegando ao Poulo do Muranho já tarde e com muita sede. Tão tarde que já não dava para regressar com dia e foi beber água à nascente e encher o cantil. No regresso já não via quase nada de jeito a não ser a silhoeta da serra da Peneda no horizonte e o vulto negro do cortelho para onde se dirigia e, então, começou a pensar que iria ficar ali, pois sempre era melhor que descer, de noite, aos trombalhões.
Um cão, em Arcos de valdevez. Nada tem a ver com os cães selvagens, pois olhou-me e nem me ladrou. É um belíssimo animal
De repente, sentiu que algo corria em sua perseguição e ele acelerou, fazendo uma grande corrida até ao cortelho, subindo para cima dele. Quando iniciou a corrida ouviu cães a ladrar e os cães eram mesmo maus e com um aspecto horroroso, tipo coiotes. Era uma matilha de cães selvagens que queriam atacar o Ventor. O Ventor, a alta velocidade, só parou em cima do cortelho, com a sacola das máquinas, o comer, a água e o cajado que teve o cuidado de pegá-lo quando subia. Depois os cães queriam subir para cima do cortelho e o Ventor defendeu-se, valentemente, com o cajado. O coração dele parecia bater a 200 à hora.
Depois, enquanto continuava a grande escaramuça com os cães a tentarem subir e o Ventor à paulada neles, lobos começaram a uivar do lado da Serrinha. O uivo dos lobos cada vez se tornava mais intenso à medida que se aproximavam. Era um uivar desesperado e pouco tardou, eles faziam grande correria no Poulo rumo ao cortelho. Os cães selvagens fugiram pelo Muranho abaixo, rumo à Naia. Mas os lobos sentaram-se, muito cansados em redor do cortelho de costas para o cortelho e para o Ventor e foi aí que o Ventor teve um momento de tréguas que aproveitou para tirar o telemóvel e ligar para toda a gente. Mas ninguém o ouvia!
O Ventor pensou que iria ter de resistir àquela alcateia de lobos porque eles estavam muito cansados e não tardaria muito, iriam lançar o seu ataque. Assim, tal como eles, aproveitou para descansar um pouco e continuar a tentar telefonar. Depois começou a pensar porque terão aqueles seus velhos antepassados, construído o cortelho tão baixo! Ainda por cima, naqueles tempos, haviam muitos mais lobos que hoje!
A noite avançou e os lobos mantiveram-se sossegados, sempre de costas para o Ventor. Ele contou seis lobos mas, depois, chegou outro lobo velho, coxo, que se foi sentar virado para o Ventor, em frente dos três que estavam do lado da fonte. Os três lobos deram ao rabo e o ventor viu o quarto lobo à sua esquerda a olhar de lado e a dar ao rabo, também. Por fim o Ventor resolveu enviar város S.O.S., pois podia ser que alguém o ouvisse. Ele transpirava e estava encharcado e começou a sentir a frescura da noite no Muranho, onde nunca tinha dormido.
E o Ventor continua a contar-me a sua odisseia que diz nunca mais esquecer:
"Ao raiar da aurora, os lobos permaneciam na mesma posição e, vindo da Naia, comecei a ouvir o som de motores de veículos em movimento pois tinham ouvido os meus S.O.S.. Lá longe, sobre o Xerez espanhol, aparecia vermelho de raiva, o meu amigo Apolo que me dizia": «tem calma Ventor, tudo vai correr bem»!
O roncar dos motores de poderosos veículos vermelhos que subiam do Poulo da Ferrada, rumo ao Muranho, parecia que faziam tremer todas as montanhas à sua volta, e o Ventor disse-me que até o S. Bento do Cando primeiro e a Senhora da Peneda depois, se colocaram em sítios de maior visibilidade para ajudarem o Ventor a esquecer o início deste sonho. Com a presença da luz de Apolo a iluminá-lo, tudo parecia começar a ser diferente, mas os bombeiros chegavam vestidos de vermelho, vejam lá, e de carabinas em riste que deixaram o Ventor tão nervoso como os lobos.
Sim, porque os lobos permaneciam nervosos nos seus postos!
O Ventor pediu aos lobos para sairem dali o mais rápido possível porque os homens que vinham em seu socorro, vinham armados com carabinas de longo alcance.
"vão-se embora! Fujam"! Gritava-lhes o Ventor.
Os lobos, nervosos, pareciam tê-lo ouvido e o lobo velho, virado para o Ventor, acenou a cabeça e todos os outros se puseram a caminho.
O lobo velho foi atrás deles, coxo, tentando acelerar o seu passo, mas o Ventor reparou que, à saída do Muranho, iniciando a subida da Serrinha, só iam 6 lobos. Um dos homens da primeira viatura que chegou junto do Ventor, apontou a carabina aos lobos que iniciavam a subida da Serrinha em alta correria, exactamente, no mesmo local, onde o Ventor há muitos anos viu o primeiro lobo numa montaria. Ele fez menção de lhe mandar o cajado para lhe acertar e fazer falhar o tiro, mas o Bombeiro, vestido de vermelho, disse-lhe que estava só a fazer mira, que os lobos não podiam ser abatidos, que ficasse descansado. E o Ventor ficou!
O Ventor explicou aos bombeiros que os lobos não o atacaram, mas que o ataque foi apenas realizado por cães selvagens e, pelo que observou, achava que os lobos vieram em correria para o defender desses cães maus.
Depois, quando o chefe dos bombeiros pediu ao Ventor para entrar num dos carros, o Ventor disse que não saía dali sem beber água mais uma vez, e dirigiu-se à nascente.
"Este gajo é parvo disse um dos bombeiros. Passou uma noite horrorosa e mesmo assim não tem pressa"!
O Ventor tinha contado os lobos que subiam a Serrinha e faltava um - o lobo velho coxo! Os outros seis lobos sentaram-se no horizonte, da Serrinha a olhar o Muranho, enquanto o Ventor se dirigia à nascente. Chegando à nascente, saíu de entre as urzes o lobo velho coxo e o Ventor perguntou-lhe o que faziam ali se em toda a noite nunca o atacaram. O lobo velho coxo, disse ao Ventor : "nós nunca puderíamos deixar que os cães selvagens atacassem um dos nossos melhores amigos"!
O Ventor e o lobo velho abraçaram-se, como dois homens e, quando o Ventor olhou para o cortelho estavam ajoelhados no chão, um grupo de bombeiros com as carabinas apontadas mas, o Ventor, muito inseguro quanto às carabinas, fez sinal com o braço para ficarem quietos. Os bombeiros, ao verem o Ventor e o lobo abraçados, começaram a bater palmas e os outros seis lobos no horizonte da Serrinha, visto do Muranho, começaram a uivar.
O som dos seus uivos continua a martelar o cérebro do Ventor!
O porquê deste sonho, na opinião do Ventor?
1 - Há alguns anos atrás, contaram ao Ventor que existiam cães selvagens nas fraldas das suas Montanhas Lindas e que os lobos é que pagavam os seus estragos.
2 - Há dias, na televisão, o Ventor ouviu alguém dizer que haviam cães selvagens que procriavam na serra da Arrábida e se podiam tornar perigosos.
3 - Os amigos do Ventor e a minha dona, insistiram com ele para dormir nos Cortelhos do Muranho quando em 09 de Agosto foram fazer a sua caminhada à Pedrada. Assim, sempre veriam o pôr do Sol no Alto da Derrilheira e depois veriam o seu nascer sobre as montanhas do Xerez espanhol. Eles emprestavam um saco cama ao Ventor.
Mas o Ventor não queria, de maneira nenhuma, deixar a minha Dona só e disse, sempre, que não, ficando, no entanto, com a esperança de um dia isso vir a acontecer. Depois, terá sonhando, imaginar como seriam as partes negativas e positivas de uma dormida nos Poulos do Muranho ligando tudo que no seu cérebro tinha a ver com o assunto, não se esquecendo do lobo que, no final da década de 50 viu subir, correndo, rumo à Serrinha, exactamente no lugar que contou a retirada dos seis lobos que, tão simpáticamente, o vieram a defender dos cães selvagens imaginários.
São complicados os sonhos, não são?